terça-feira, 22 de março de 2011

Famiglia

Por essa via, o corpo vil bamba e desalinha. O meu piú mudo mundinho sai das esgueiras do sonho lancinante. Por entre as gueiras. Família grande. Tutto cosa nostra. Os tios falam alto. Têm manias várias. Desbravadores, lutam pela vida. Batalhadores. Muito suor sob os campos. Afável afeto. As tias, cozinheiras de mão cheia. Riquesa à mesa. O segredo está nos temperos. Receitas de gerações à gerações. Calor nos colos. Mãos em baixo, seguras; mãos em cima, protegem. Mão unidas. O terço. Rezas e velas. A união. Simpatia. Oralidade, afinal de contas: leituras são segundo plano, somente para medidas urgentes e cabíveis. Água na bacia. Banho no bebê. Tarde quente e ensolarada lá fora. São uns tão parecidos com os outros e se mantivermos sincronismo, pra que crescer tão diferentes? É o âmbar da evolução embriônica, a variabilidade genética. Mas as vezes da vontade de abrir um buraco no ar. Uma janela para a lua. Para que a lua possa entrar. Saltemos para mundo distante de ares mais gélidos. De experiências subimes. Dança sob o arco o corpo oco. Sempre sentindo sabor de sálvia. Saindo por entre os becos. Movimento viceral entre vias de pedras. Há muito trabalho pela frente. São poucos os minutos de deleite. Se embriague deles. Se entregue com total devassidão. Um orgasmo. Dois. Três. Ah como é saboroso o repouso. Que macio esse leito. Branco. Sono brando.

No gelo

Fluorfel magentóvski turvisiona a densa névoa
semivê o fulcrocru cracóvico
semeia semisemen na santaceia
azulgelo porentre branconeve sinuosogalho
coberto
canto
colhe
bri.

Manhã

Despertou antes da aurora, José Walk, gostava de ver os raios despontarem sobre o horizonte. Dizia que era o leque de Deus que surgia no firmamento. Ainda sonolento caminhou até o banheiro, esgueirou o rosto sobre a bacia de inox, a água congelara na superfície, formava cascas. José Walk quebrou as cascas com as mãos ainda quentes da cama confortável. Manteve as mãos submersas durante alguns segundos, tempo suficiente para perder a sensibilidade  por causa do gelo e finalmente juntous uma porção de água nas duas mãos e tocou no rosto.
Não havia quem lhe servisse o café da manhã. Rompera o relacionamento de três anos com sua exesposa por mil e um motivos que nem cabe lembrar agora. José Walk desceu até a cozinha pelas escadas em forma de aspiral. Curvou-se, pegou a frigideira de teflon que ficava sob a pia. Botou para esquentar e fitou, um fogo baixo, uma fatia de presunto e duas de queijo.
Aqui se come carne -pensou, se fosse judeu estaria alheio a isso. José Walk olhou pela jmanela e viu os primeiros raios de luz despontarem no horizonte.
- E começo aqui e meço aqui este começo e recomeço.
O queijo já estava borbulhando, separou-os num prato. Tomou duas fatias de pão integral que havia comprado dos membreos da doze tribou e passou manteiga salgada, vinda de minas e jogou na frigideira. Gostava de misto quente com fatias de pão tostados. Fatiou três rodelas de tomate, uma pitada de orégano e estava pronto o misto quente.
Esquentou água e enquanto passava o café, sentia aquele cheiro familiar roer o ar. Viu através da janela passar uma cabeça, era Ângelo Carrascozza, que praticamente todas as manhãs tomva o desjejum com José.
- Em casa de malandro, vagabundo não pede emprego. Disse Ângelo, entrando e já se mostrando confortável com o ambiente.Os dois se sentaram e José lhe serviu uma xícara de café.
- Obrigado, Om, tenho aqui uma surpresa, veja! Disse Ângelo tirando do bolso um punhado de sementes. É cardamomo, os árabes costumam mastigar tomando café.
José mastigou três sementes  e sentiu o frescor tormar-lhe conta da boca, tomou um trago do café e percebeu as diversas sensações que essa combinação trás.
- Hum, uma delícia, Ângelo, você sempre com suas novidades; mas tenho que te contar sobre meus novos estudos. Descobri a força daquilo que me parece ser o mais poderoso dos fenômenos.
- Ah é! Você estuda demais, cuidado, Om, você pode enlouquecer, mas o que você descobriu que é tão importante? - perguntou Ângelo deitando mel sobre uma fatia de pão integral.
- O tempo, Ângelo, o tempo...
Ângelo Carrascozza soltou uma gargalhada alta e vibrante. O sol já inundara a cozinha. José mantinha seu olhar fixo, como não visse nada, nadando em pensamentos infinitos nem percebendo como Ângelo quebrava com a gargalhada o silêncio calmo da manhã.
- Mas, José, Einstein já resolveu esse problema há cinquenta anos. Por acaso quer revolucionar a ciência? perguntou, recuperando o fôlego.
- Não se trata de ciência. Tempo é arte.
- Hum.
- Aquele que é dono do Tempo é senhor do universo. Nosso tempo mecânico não está em sincronismo com a contagem do tempo da Natureza.
- Acho que vi isso em algum catálogo. Terra, pão, família, amor, trabalho e tempo.
- O Tempo é o nosso tesouro de maior valor, para além das fronteiras da matéria. Até, dizem, ser o quarto estado. Vibratório.
Argüente, Ângelo se levantou.
Sairam, tomaram a rua Bartolomeu Bueno e subiram até a avenida Souza Naves, caminharam pela Vila Ipiranga. O sol já estava forte então se orientavam a andar sob a copa das árvores. Sentiam purificar o pulmão e toda a carne pelo frescor da manhã.
Conversavam sobre o que os olhos viam, a nostalgia da paisagem da cidade do interior, sobre suas memórias, os planos para o futuro. Apesar de terem praticamente a mesma idade o ntalhe de seus espíritos era diferente. José espirituoso, versátil, inquiridor, silencioso, agregador; Ângelo risonho, loquaz, verborrágico, agitado, errante, colérico. Caminhantes, juntos, eram como mentes gêmeas. Até conversavam sobre a prática da telepatia, mas teriam que pessar pelo menos um dia inteiro juntos sincronizando atividades: comer, plantar, lavar e enxugar a louça, plantar, beber; mas não levavam assim tão à sério essa ciência, pelo menos da parte de Ângelo, que tinha a força da fé no seu coração, o que fazia com que não se perguntasse muito sobre a transedentalidade.
Diminuiram o passo paleo encanto da paisagem. Passava uma moça de pele macia, lábios magenta, tão  bela quanto a lua. Disse Ângelo:
- Que tão linda anca.
- Que tão vil bardo. Mas sabe, Ângelo, tenho usado uma técnica venuziana excelente.
- Ah é. Qual?
- Chega a ser uma lei. Abrir e dar às costas. Sempre começo a conversar com alguma bela (ou uma puta) e depois de um tempo, exatamente no momento em que ela está falando invento um porquê lhe dar as costas. Você precisa ver como funciona. Dar as costas para uma dama é como lhe dar um não, e lhe dar um não significa caminho aberta para você, florido.
Continuaram caminhando naquela manhã fresca. Passaram em frente ao bar do J. e lembraram quantas noites passaram ali bebendo, discutindo, jogando e voltando para casa em meio às madrugadas silenciosas secando o resto de um corote de pinga ou de vinho. Mas estava vivendo uma nova faze de suas vidas, não pelo menos com a mesma intensidade de antes. As noites profundas, suas  aventuras amorosas ecoavam nas reminiscências, nadavam em histórias sem fim, bem como suas leituras de juventude. José gostava dos provençais:
- Autet e bas entre ls prims fuoills,
  son nou de flors els rams lirenc,
  e noi ten mut bec ni gola
  nuills auzels.
- Soa bem, mas não conheço essa linguagem. Pra quê você decora essas coisas?
- Conheci um sábio enquanto estive preso. Recitava de cor muitas frases, máximas poéticas e de sabedoria. Parecia uma enciclopédia ambulante. Dizia que era para aquele tipo de situação que servia a poesia. Para quando não houvesse mais nenhuma materialidade. Me ensinou também o valor da terra e como cultiva-la e tantas outras coisas que só o tempo me mostra seus ensinamentos brotando no meu presente. Arrasto-o atraves do meu tempo, por seus exemplos. Ensinou a paciência, a me desvencilhar de atos precipitados como de Harum-al-Rachide.

O orador

Em uma cidade do interior, muito pequena. Os poucos habitantes que moram ali são todos analfabetos com excesão de uma pessoa, que é considerado o sábio, o iluminador. Todas as sextas-feiras o povo se sentava em torno dele. O sábio se sentava em uma cadeira de pau e contava as histórias que ouviu dos livros. Tanto é seu carisma que os habitantes da cidadezinha nem tinham a preocupação de aprender a ler, preocupam-se apenas em estar às sextas, quando o sol se põe, na praça, onde ouviam e se deleitavam com as lendas e histórias de outros mundos, de outas culturas, com novidades diferentes das que estavam acostumados.
Havia naquela cidade uma grande biblioteca deixada há muito por um ancestral que lia muito e era portador de grande conhecimento. O grande orador passava maior parte do tempo lendo e enfiado na biblioteca e seus arredores. Eram saborosas suas histórias e era a maior forma de prazer para o povo. Havia um belo jardim em torno da biblioteca. Quando o orador não estava lendo, estava cultivando o jardim, a terra era fértil, as flores belas e coloridas.

Pro alto

Piras acessas homenageiam deuses
Fumaças de fogos ascendem aos céus
Pallas Athenas nos guie por entre as sendas
Para os egípcios Amon-Rá, Isis, Osíris
Ajoelham ante Allah os muçulmanos
Terra fértil sob nós
Luz por entre as folhas
Ventos aflúvios na floresta
Fogo-fátuo
Água calma
Paz reina sobre ímpério banto
Justiça ao mundo muçulmano
Glória aos gregos.